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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

SEU LUNGA


A PELEJA DE SEU LUNGA PRA NÃO SER IGNORANTE

Pela Milena vez hoje
Me perguntou meu vizinho:
– Por que Seu Lunga, o senhor,
Não dá um simples jeitinho
E não deixa de ser tão
Ignorante e certinho?

Por que o senhor, Seu Lunga,
Não para de ignorar
E ignora essas perguntas
Que lhes fazem sem parar?
Sendo muitas vezes só,
Somente pra lhe irritar.

Seu Lunga, por que o senhor,
Não arranca do seu peito
Toda sua ignorância
E joga ela de jeito
Nas profundezas do mar
E não mais fale a respeito.

Por que o senhor, por quê;
Não reza pra São Francisco,
São José, Santa Luzia...
E pede pra tirar o cisco
Que é sua ignorância
Na forma de um corisco?

E se isso não resolver
Seu Lunga reze pra Deus,
Peça muita paciência
Pra aturar esses abreus
Que não deixa o senhor queito
Feito um bando de ateus.

Seu Lunga disse: – Zé Preto
O senhor nem imagina
O quanto eu venho lutando
Pra me livrar dessa sina,
Dessa sina que carrego
Posta por gente malina.

E quem pensa dessa forma
Nem parece conhecer
A minha grande vontade
De nunca assim responder,
Com qualquer ignorância,
E qualquer um ofender.

Quem me vê assim, Zé Preto,
Nunca me viu remoendo,
Remoendo pra esquecer
Tudo que andam dizendo:
O que eu fiz e nunca fiz,
O que bebo e ando comendo.

Zé Preto, se você visse
O quanto vivo tentando
Minha postura mudar
E esquecer que estão falando
Por todo canto de mim
Não estava perguntando.

Não nego que me deixei
Ser levado por vaidade,
Porém, nunca imaginei
Que isso virasse maldade,
Mexerico e desrespeito
Sem nenhuma piedade.

Zé Preto quando pensei
Que estava de coração
Curado pra não entrar,
Não entrar em discussão
Com ser humano qualquer
Em qualquer situação...

Chegou pela quarta vez
O “mudo” cheio de prosa
Um dia na minha venda
Atrás de coisa melosa
Que comeu outro dia
Na casa de Dona Rosa.

E cheio de empolgação
Ele tentava explicar
Mostrando a forma e tamanho,
A cor, gosto e como usar,
Mas eu pensava: será!
Que ele quer sacanear?

Pois eu não mais me importei
E mostrei uma banana,
Ele disse com o dedo:
Não! E apontou pra cana,
Fui logo botando uma pinga
Daquela bem caninana.

Igual um felino assombrado
Ele pulou para traz
Com cara de pouco amigo
Faltou pouco cuspir gás
Gesticulando sem fala
Que quase não para mais.

E quando o mudo parou
De tanto gesticular
Eu depressa comecei
A tudo, tudo mostrar...
Peça por peça daqui,
Daqui e de outro lugar.

Cada coisa que eu mostrava
Dizia, não com o dedo,
Andava pra lá, pra cá
Com aquele tal segredo
Que eu já não aguentava
Segurar meu lado azedo.

...são 32 estrofes...
Fim

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O LADRÃO E O POLÍTICO - Autor: José Augusto - Esses são de doer.



O LADRÃO E O POLÍTICO

Eu cresci numa família
Que dizia todo dia:
– Pode andar remendado,
Contudo nunca podia
Andar sujo pelos cantos
Essa era a filosofia.

E também dizia que:
– Tem um sujo que não sai
Nem com água com sabão,
Quarando dias não vai
Ser limpo nem esquecido
É o roubo, disse papai.

Disso nunca esqueci.
Como me lembro também
De Tio Chico Cachico
Que era pra nós armazém
De história pra contar
Da terra, céu e além.

Pois Tio Chico Cachico
Era um homem tranqüilo
Nunca se preocupava
Nem com isso, nem com aquilo
E vivia viajando,
Assim posso defini-lo.

Uma noite ele contou
Depois do nosso jantar
Pra gente uma história
Que ouviu alguém contar
Dum ladrão e dum político
Das terras do além-mar.

Na capital dessa terra
Ele disse que existia
Muitos ladrões, traficantes
De toda categoria,
Mentirosos, enganadores
Em todo ponto se via.

Mas lá tinha um ladrão
Muito rico, poderoso,
Temido na capital,
Respeitado, rigoroso;
Quando algo dava errado
Ficava mais perigoso.

Ele um dia recebeu,
Uma visita surpresa
Do prefeito do lugar
Que estava na redondeza.
Querendo falar com ele
Foi a sua fortaleza.

– Muito bom dia nobreza
Falou o prefeito dando
Um abraço e um presente
E a mão dele apertando:
– Eu estou muito feliz
Por estarmos celebrando...

Esse encontro que será
Muito mais do que perfeito,
Louvável, satisfatório
Como se ganha respeito
Desse amigo que está aqui
Bem guardado no meu peito.

O ladrão desconfiado
Perguntou: – O que deseja?
Com esse discurso belo,
Me diga logo o que almeja,
Deixe de tanto arrodeio
Porque não sou de peleja.

Disse o prefeito: – Pois bem!
Estou em vossa presença
Pra solicitar apoio
De sua vontade imensa,
Um pouco de capital,
Essa é só minha pretensa.

Assim respondeu o ladrão:
– Eu não sou homem sabido
Do colégio fui expulso
Das letras sou um fugido,
Mas sei muito bem quem é
Ladrão, igual a mim, fingido.

Vou dar o que está pedindo,
Porém com uma condição:
Que você me ensine a ser
Político dessa nação.
Respondeu o prefeito: – Claro!
Veja a primeira lição!

Sempre, sempre diga sim.
Nunca diga “não” a alguém,
O que tem se ofereça,
Até mesmo o que não tem,
Sem poder fazer prometa,
Isso é o que nos mantém.

Faça discurso bonito,
Diga que ama sem amar,
Coma qualquer porcaria,
Dê com a mão sem precisar,
E sem ter graça ria...
Somente para enganar.

Nunca perca um só contato,
Mande santos-calendário
Desejando boas festas.
Não perca um funerário,
Sem nenhum esforço chore
Fingindo ser solidário.

À família dos defuntos
Dê um brilhoso caixão,
Um ramalhete de rosas,
Aperto de mão em mão,
Diga que vá procurá-lo
Pra comer de seu pirão.

Dê um remédio pra quem
Não tem mais nenhuma cura.
Cesta básica de arroz,
Sal, farinha e rapadura.
Litros de leite de soja
E doses de cana pura.

Pague pinga pra pinguço,
Decore o nome do povo,
Abrace abraço fedido,
Dê cheiro em menino novo
Diga que passou o dia
Andando só com um ovo.

Tenha uma legião
De babões pra defender,
Divulgar tudo que faça,
Mesmo sem verdade ser.
Mas sabe como é babão,
Gritem eles sem dever.

Faça mistério de tudo,
E diga que é atacado
Pelo seu adversário
Que não passa dum safado.
Esconda-se do povão
Depois dele ter votado.

Eu sem bater a pestana
Disse: – É mesmo que está vendo
Todos os políticos daqui.
Mas Tio Chico fazendo
Um gesto co’a sua boca
Não pára a prosa dizendo:

– E depois de sete meses
De ensino-aprendizagem
O ladrão decide ser
Parte dessa plumagem:
Que a gente empurra, empurra...
Sem ver nenhuma vantagem.

E disse para o prefeito:
– Eu quero participar
Da divisa do dinheiro,
Muito fácil de pegar,
Sem utilizar revólver
Só papel para assinar.

Assessores indicados
Eu quero ter mais de cem,
Pra ir ao fundo do cofre
E buscar todo vintém.
Desviar verbas de tudo
E o povo dizer amém...

Candidata-se o ladrão
A deputado local.
Gasta muito do que tem
Como fosse um vendaval
Dando a torto e a direito
Metade do capital.

No final não se elegeu
Ficando irado, raivoso,
Se perguntando: – por que
Não fui eleito fogoso?
E pediu satisfação
Ao prefeito desgostoso.

E disse: – Passei um ano
Gastando e lição tendo,
Observando seus passos,
Discursos belos fazendo.
Andando pela nação
E milagre prometendo.

Por que eu não fui eleito
Um deputado vigente?
O prefeito respondeu:
– Eu dei matéria somente
Para você ser político
Não eleito pela gente.

Além do mais você é
Lido e visto nos jornais
Como ladrão da nação,
Traficante, capataz.
É do mal embaixador
E perseguidor da paz.

O ladrão disse tremendo:
– Que diacho está falando?!
Sabe você, sei também,
Que de mim está zombando,
Sendo você ladrão fino
Que do povo vem roubando.

Pois entre você e eu
Há bastante diferença:
Eu só roubei dos ricaços,
Empresários de nascença
Que explora o trabalhador,
Nenhum atraso dispensa.

Se matei foi por descuido,
Você mata todo dia,
Quando tira verbas públicas
Da base da moradia,
Quando tira o giz do quadro
Deixando o saber sem valia.

Você mata quando tira
O direito de curar
A doença de seu povo,
Vendo na fila minguar
A nação de ponta a ponta
Morrendo em todo lugar.

Quando cria leis capengas
Causadoras de injustiça,
Que tira de quem não deve
E dá pra quem reza a missa
Do catecismo do crime,
Inda diz que faz justiça.

Eu sei, sou um grande mal.
Mas o que furto é a sobra,
Da sobra de sua mesa.
E vocês numa manobra,
Deixa milhares famintos
Sem fé, esperança e obra.

De tudo cria imposto
Dizendo ser para o bem
Da saúde, educação
E segurança também.
Mas que dinheiro sabido!
Ninguém não vê nem por cem.

Quando Ti Chico acabou
De contar essa história
Falei sem papa na língua
O que estava na memória:
– São os governantes daqui
Que faz a gente de escória.

E naquela época eu
Só dizia: – Conte mais...
Hoje vejo e me pergunto:
Quem é que tem mais cartaz?
O cidadão que é roubado,
Ou os políticos de Estado
Que pouco faz pela paz.
Fim

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

A História de Belém do Brejo do Cruz em Cordel-Poeta José Augusto, 'filho' e constuindo nesse chão. Foto principal- Edimilson.


DE GRÃO EM GRÃO BELÉM É CONTADO
1
Uns versos vou declamar
Que eu versei para Belém,
Dividir um bocadinho
Do pouquinho que me tem
Do trajeto de seu povo
Que há tempo lhe convém.
2
Lugarzinho ensolarado
Resistente, verdadeiro:
Tu és pequeno no mundo
Da Paraíba fronteiro,
Seu povo mais que danado
Muito vibra sem dinheiro.
3
É seu retrato fiel
O que aqui teve lição,
Modelo mais que sereno
Desenhado em canção,
Pois nada tira seu brilho
Nem perto de confusão.
4
Mas pra contar muitos fatos
Eu convido Basto Bento:
Homem vivido e sabido
Que conforme, o momento,
A vida dessa cidade
Será desde o nascimento.
5
-Pois bem! Disse Basto Bento:
- Me honro pelo chamado
Enquanto lembrar eu falo...
Que cada um seja lembrado
Pelo que fez nesta terra
E por Deus seja louvado.
6
Belém surgiu por milagre
Passou por muitas manobras,
Aqui não tem olho d’água,
Indústrias vestidas de obras,
Mar para lavar nossa alma,
E mata para criar cobras.
7
Tem um clima seco e quente,
O ano todo o sol brilha,
O vento derruba as folhas
Das algarobas e empilha
Na terra seca sem chuva
Que insulta, cala e humilha.
8
Chuva não cai todo ano
Só há rio intermitente
Restando só carrapicho,
Jurema preta e semente
De pega-pinto, maxixe
E político que mente.
9
Basto Bento também disse:
– O povo foi tendo vida
Quando comeu do seu pão
E pra cá logo convida:
Homens, meninos, mulheres...
Pra também ser revestida.
10
Donzelas d’outros lugares
Aqui estão pra florescer,
Umas lá do litoral,
Outras procurando ver
A mistura da beleza
Na esperança de crescer.
11
Mil oitocentos cinqüenta
Nesta terra em que está aí
Chega à família Viana
Que ainda hoje está aqui
Mostrando seus descendentes
Aqui, acolá e ali.
12
Nas mãos acolhe a terrinha
Sepulta nela semente
Que renasce redobrada
Comida pra muita gente,
Fazendo dela esperança:
Quem é sua confidente.
13
Gente e muita gente chega
Nenhuma fortuna traz,
Todas são interessadas;
Faz cerimônia em paz
Não sossegando até ver
Uma vila e muito mais.
14
Com Paulino de Morais
E José Alves Pereira
O povoado é erguido
Com casebre de taipeira
No mesmo lugar do sítio
Da família pioneira.
15
E como está no comando
Paulino de Morais manda
Que quem aqui chegasse:
Budista, cristão, umbanda,
É pra ter todo respeito
Por qualquer um dessa banda.
16
Pois José Alves Pereira
Bate o chapéu concordando:
Nesta terrinha que amamos,
Todos, eu quero estudando,
Formar-se na lei divina
O resto Deus vai deixando.
17
Negros, caboclos, mestiços...
Chegaram de toda parte
Do lado do Catolé
Antônio Pedro faz arte
Trazendo para Belém
Fé e uma bodega aparte.
18
“Minha avó contou um dia
Que ouviu de um tenente
Que na bodega prendeu
Um bêbado co’aguardente,
Por ter brigado com cinco
De todos quebrado dente.”
19
Como herança da bodega
Que o bodegueiro deixou:
Mil novecentos e vinte
Numa feira se formou
A maior e popular
Que o povo testemunhou.
20
Vinha gente pra vender,
Comprar e também trocar.
Mulheres vendem galinhas,
Homens vêm barba tirar,
Cortar cabelo do mês,
Beber mel, se embriagar.
21
Candinho Saldanha vendo
Todo aquele movimento,
Bota para funcionar
Alto beneficiamento
Do algodão produzido
Naquele povoamento.
22
Finda a década de vinte
Que a vida fantasiou
Entregando para trinta
A idéia que se formou,
De querer ser libertada
Desde que se iniciou.
23
Belém se tornou distrito
Legal de Brejo do Cruz,
Portanto logo em seguida
Muda para Bom Jesus
Cidade mais que sagrada:
Repleto de muita luz.
24
Mas Bom Jesus durou pouco,
Por ordem não sei de quem
No ano de trinta e nove
Celebra um dia de amém
Porque voltou a se chamar
Novamente de Belém.
25
A troca não pára aí,
E deram nome esquisito
De Topônimo Taiassuy,
Durando apenas um grito
Da lei do mês de janeiro:
Belém –, tornou a ser dito.
26
Em vinte e dois de dezembro
Da década de sessenta
Buquê do século vinte
Nossa cidade se senta
Na cadeira emancipada
Com a sua ferramenta.
27
Belém do Brejo do Cruz
É seu nome de batismo
Que permanece até hoje,
E com seu fácil fascismo
Seu povo tem pouca fé
E fé no politiquismo.
28
Nesta década cativa
A cidade libertava
Batom e beijo na boca,
Com suspiro se lançava
Ao cupido de setenta
Do amor ninguém escapava.
29
Setenta passa a oitenta
Apresentando dureza,
O povo sai ao ataque
Com toda a sua pobreza,
Busca matar sua fome
E devorar a incerteza.
30
A luz duma emergência
Contenta grande levante,
Condensa o sentimento
Co’a vida dura volante
Do homem olhando a sombra
Da tal miséria constante.
31
Como está na flor da mente
Dos limites vou falar:
Patrimônio cultural,
Filhos ilustres, lugar,
Da comida e boas festas
E para o Santo rezar.
32
Seus vizinhos são assim:
Ao leste Jucurutu
Que pouco temos contato,
Diferente de Patu
Que costumamos dá as mãos
Lá no sítio Tuiuiú.
33
Messias Targino ao Norte
E Janduís de Daluz.
Ao sul São José do Brejo
Depois de Brejo do Cruz,
Terra de Zé ramalho
Onde injustiça produz.
34
E fica a oeste daqui
A querida Catolé
Que nos mantêm informado,
Pois aplaudimos de pé
E por último citado
Campo Grande também é.
35
É tido como pequeno
Seu legado cultural,
Limita-se as Igrejas
Pra acabar com todo mal
De todos que acreditar
Que se salvará no final.
36
Logo depois o Sobrado
A mais velha construção
Que desejamos um dia
O tempo dá solução,
E das ruínas nascer
Um sobrado de lição.
37
E por último citado
Seu mais querido legado;
De todo costume e raça,
Cor, religião, ditado:
Que é o valor de se povo
Como maior bem amado.
38
Pra ser direto e simples
Da humildade vou falar:
Como de Lino Ferreiro
Que co’o ferro faz jorrar
As mais belas armaduras,
Torno e ferro de passar.
39
Carneiro, soldado exemplar,
Nunca levantou a mão
Pra ninguém desacatar
Fez do destaque lição
E por onde fez destaque
É chamado cidadão.
40
E corre solta a notícia
Com Darca e com Piedade,
Falam o que ninguém fala
E diz sem fazer maldade,
Mas aqui é perigoso
Quando se diz toda verdade.
41
Outra ilustre cidadã,
É Tereza Cababá
Que fez da Educação,
Educação a Vavá.
E deu lição a menino
Cuidando feito babá.
42
Foi com Raimundo Manduca
Que educação em Belém
Teve toque filosófico,
Pena que não tem ninguém
Bebendo daquela fonte
Que só ensinou para o bem.
43
Cônego José Viana
Pode-se também lembrar
Que não só nessa cidade
Fez do educar o lugar
Para todo sertanejo
Sua vida consertar.
44
Centenas são as pessoas
Ilustres dessa cidade,
Como não dá pra falar
De todos nem da metade
Da comida vou lembrar
Com toda minha vontade.
45
Quando se fala em comida
Nossa comida é forte,
Feijão de corda, cuscuz,
Desvia o povo da morte.
Coalhada e carne na brasa
Não deixa ninguém sem porte.
46
Para misturar mistura
Nosso povo não demora,
Faz bode com mungunzá
Que mata a fome na hora.
Canjica na rapadura,
Pamonha a fome devora.
47
Mel espremendo na mão,
Buchada de Dona Nira,
Leite do peito da vaca
Que em doce, biscoito vira.
Chouriço de porco gordo,
Queijo de Madrinha Lira.
48
Preá, tejo teve muito;
Rolinha, camaleão,
Tatu, peba, juriti
E de longe arribação
Que complementava a mesa
Mas estão em extinção.
49
Também está se acabando
O cantado do concriz,
Galo campina, cibito
Que há quem diz, fale e diz,
Só será um dia ouvido
Da voz de alguma atriz.
50
E pra menino danado
Ovo batido com juá,
Farinha, maxixe, coco,
Melado, maracujá,
Cajá, caju, papaconha
E rapa de jatobá.
51
Quando eu criança ouvia:
“Belém do Brejo do Cruz
Que de dia falta água
E de noite falta luz,
Na padaria de Salé
Só há pão boiado e cuscuz.”
52
Pois nem só de pão se vive:
Nesse chão também se brinda
Boa festa natalina.
E sendo a mais bem vinda,
Tradicional, popular
Quando todo o ano finda.
53
Tem a boate de Ridete,
A de Chico Joaquim,
A festa dos Concluintes,
Outras diversões sem fim.
E a junção de “João-Pedro”
Com forró, show e festim.
54
Quem vier seja bem vindo,
Mas tenha muito cuidado,
Porque se beber nossa água
Fica sempre apaixonado
E nunca mais lembrará
De como foi encantado.
55
A não ser que novamente
Retorno como um romeiro
Ao centro de macumba
De seu Zé Preto Pedreiro,
E lá se desencantar
Dançando no seu terreiro.
56
Quem não quer acreditar
Nessa simples melodia
Vá ver São Sebastião
Que Belém tudo vigia,
Vá à assembléia de Deus
E reze uma Ave-Maria.
57
Vá ao barraco de Altivo
Coma caldo, mocotó,
Cuscuz de milho fresquinho;
Só não se encontra mocó
Porque o homem matou todos
Desde o sul a Mossoró.
58
Vá ao riacho dos porcos
Que só tem água no inverno,
Mergulhe em suas lembranças,
Veja que seu leito é eterno:
Cura gripe e mal da língua,
Salva até gente do inferno.
59
Passei a mão na cabeça
Quando Basto terminou
Vi que nunca tinha visto,
Visto o que Basto contou,
Contou e cantou seu chão
Do fundo do coração
Que até doutor encantou.
60
- Muito obrigado Basto.
Eu disse por essa aurora
Pelo presente, presente,
Que servirá a toda hora
A quem interessar saber
Só é agarrar para ler
Esse conto aqui e agora.

Rerumo: são 105 estrofes.
Autor: José Augussto

CARTA A ANTÔNIO FRANCISCO DO POETA JOSÉ AUGUSTO

Autor: José Augusto Araújo da Silva



CARTA A ANTÔNIO FRANCISCO

Dia tal do ano tal,
Mês do nosso carnaval,
Bairro do Abolição
Vizinho do Redenção.
– Meu caro, Antônio Francisco,
Daqui vai esse rabisco
Isso para lhe chamar
Para você nos dizer
O que se deve fazer
Co’as fendas desse lugar.

Não queria amigo não
Por nada nem um tostão
Dessa vez lhe incomodar,
Mas não podemos calar
Nem deixar de novo o povo
Dormir no ponto de novo
Nesse mundão de buraco,
Ficar nessa quarentena
Penar até fazer pena
E não suar nem sovaco.

“Não vou falar do prefeito”
Que leva tudo de eito
Pra não lhe aborrecer,
Também não vou lhe dizer
Que aqui pode afundar
“Para não lhe aperrear”.
E quem está aqui co’a gente
É o poeta Concriz
Com pá, enxada e verniz,
Coco rimado e repente.

Avisando que deixou
De ser poeta e botou
Uma pequena bodega,
Mas isso só lhe deu prega.
Agora está decidido,
E de rosto destemido
Pra mostrar como se tapa
Cada buraco daqui
Sem colocar rififi,
Farinha seca e garapa.

Talvez, Antônio Francisco
Nem por um novo disco
De Eliseu Ventania
O povo acreditaria
No que eu vou dizer agora;
Não é papo de caipora
Nem conversa de menino
É a mais pura verdade...
E perante a sua idade
Eu digo, firmo e assino.

Pois quem me disse não mente,
Não aumenta nem desmente
Que ouviu um carro dizer,
Uma moto responder
Como pisa sem vontade
No piso dessa cidade.
E também ouviu falar
Uma Calói magricela,
Um carroção sem biela;
Loucos para reclamar.

Assim o carro dizia:
– Não suporto essa agonia
Já estou de pneu rachado,
Amortecedor cansado
Batendo feito chocalho
E de vez em quando eu falho.
De tanto pular buraco
Já ando me arrastando
Quase sem voz e comando
Tossindo e de motor fraco.

Perdi balanceamento,
Ando sem alinhamento,
Meu freio vive estressado,
Meu toca-fitas quebrado,
Direção sem direção
Rodando feito um pião.
E Digo pros meus pistões
Cada buraco que eu vejo
Faço careta e despejo
Um palmo de palavrões.

A moto piscou o farol,
Rodou igual caracol
E disse para os ouvintes:
– Eu não gosto de requintes
Enfrento qualquer caminho,
Passo por cima de espinho,
Subo serra, desço serra,
Desbravo qualquer terreno.
Mas, amigos eu condeno
Os buracos dessa terra.

Já passei em muitos cantos
Por cima de fendas, mantos,
Mas digo, eu nunca passei
Se passei não reparei
Tantos buracos e emendas
No tanto de tantas fendas
Que corta vila por vila
Dessa terra que se cala,
Cala e não desacasala
Dos chefes que lhe mutila.

E quando a moto parou
Deu um pinote e levantou
Dizendo pra bicicleta:
– Diga agora sua meta
Que o carroção também
É mais um “alguém” que tem
Razão para reclamar
E está doido pra dizer
O que se pode fazer
Pra ajeitar nosso lugar.

Mas quando o carroção quis,
Quis falar, gritou Concriz:
– Olha lá quem vem ali
Pulando feito saci,
Com “Meu Martelo”, Crispin,
Luiz Campos de cetim,
Marcelo Morais pintando.
Logo atrás Zé Ribamar
E com ele Ademar
Duelando e declamando.

Aldaci, Gustavo Luz,
Um no meio de capuz
Que não quer mostrar a cara.
Toinho de Zezé para,
E Nildo da Pedra Branca
Diz com sua fala franca:
– Nós vamos já consertar
Co’a força de Laurentino,
Nilson Silva e Severino
Os rombos desse lugar.

Nisso chegou Dona Nira,
Com tudo na sua mira
Como sempre organizando,
Por Antônio perguntando
E Demirto respondendo:
– Nira, é mesmo que eu tá vendo
Antônio só deve estar
Juntando gente e mais gente
Pra vi pra esse batente
E essa terra costurar.

Quando Demirto findou
Dona Nira nos mostrou:
– Lá vem Antônio ali
Igualzinho um colibri
Batendo asas e voando
Declamando e recitando
Dizendo: – Vamos lá gente!
Começar por essa rua
Fazendo ali meia-lua
E seguindo essa tangente.

Mas antes de colocar
Qualquer coisa e espalhar,
Na base de cada fenda
Vamos pontilhar de renda,
Lenda, conto e fantasia.
Pandeiro pra melodia,
O canto do menestrel,
Alma pra nossa cultura,
Letras pra nossa leitura
E uma acorda, Cordel.

Talvez as fendas tapando
E mais a gente cobrando
Do governante a decência,
Da nação a consciência
Encurtamos o caminho
E salvamos nosso ninho.
Talvez a democracia,
Respire e diga de novo:
Só assim nosso povo
Vive mais cidadania.
Fim

Os Poetas José Augusto e Medeiros Braga Na Feira do Livro de Mossoró-RN/2009.


"Para mim o bom poeta
folheiteiro cantador,
cordelista, repentista,
remanceiro, trovador,
somente o comprometido
que canta do povo a dor."
Medeiros Braga

Os Poetas Nildo da Pedra Branca e José Augusto na Feira do Livro de Mossoró-RN/2009.

Visita do Escritor Ariano Suassuna a Feira do Livro de Mossoró-2009

domingo, 14 de fevereiro de 2010

SEU LUNGA EM MOSSORÓ



 SEU LUNGA EM MOSSORÓ
1
Seu Lunga é um senhorio
Que nasceu em Juazeiro,
E o povo todo bem sabe
O quanto tem de brejeiro
Pelas artes que apronta,
Por não fazer nó sem ponta
Nem dar valor a dinheiro.
2
Ao invés de nove meses
De sete meses nasceu
Numa pequena choupana
Num dia que o chão tremeu,
O São Francisco secou,
Um prefeito se salvou
E seu pai de medo correu.
3
Cresceu sem papa na língua,
Sem medo de assombração:
Caipora, carranca e alma
Tudo isso era invenção.
Lobisomem, papa-figo,
Saci seu melhor amigo,
Pra ele era diversão.
4
Como todo sertanejo
Seu Lunga tem muita fé;
Vontade de visitar
Santa Luzia que é
Sua santa de pedido,
Esteja bom ou ferido
No olho ou no peito do pé.
5
Lunga um dia acordou cedo
E disse: – Josefa eu vou
Viajar pra Mossoró
Porque o momento chegou;
Eu vou ver Santa Luzia
E do povo a valentia
Que Lampião expulsou.
6
Mas sua mulher disse:
– Homem vai te aquietar!
A promessa que tu fez
Não precisa mais pagar;
Já faz mais de trinta anos
Que você faz esses planos
De para lá viajar.
7
Você pode se quiser
Pagar essa tal promessa
A qualquer outra Santa;
Ou mandar essa remessa
Por Benedito Tinteiro
Que vai levando dinheiro
De Chiquim de Chico Bessa.
8
Respondeu Seu Lunga:
– Hoje mesmo partirei.
Eu nunca enganei ninguém
Imagine se eu serei
Capaz de trapacear
Santa que pode curar
“Os cegos de nossa lei”.
9
Porém, antes de seu Lunga
Terminar de se explicar,
Um grito estridente e fino
Gritava para avisar
Que o carro está de saída,
Já deu a última partida,
Não pode mais esperar.
10
Jogou a mala na mala,
Pulou em cima do carro
E no vai e vem do asfalto
Só acordou com um pigarro
Passando a mão na visão,
Faltando a respiração
Com fumaça de cigarro.
11
E já na rodoviária
Da cidade Mossoró,
Foi abordado por três
Motoqueiros lá de Icó
Que pra lá e pra cá puxa
Seu Lunga de vista murcha
Dizendo ser seu xodó.
12
O mais esperto dos três
Bota seu Lunga no assento,
Sai correndo feito louco
Cortando poeira e vento,
Andando na contramão,
Pegado num caminhão
Confessando ter talento.
13
Soltou o Guidom da moto
E pra seu Lunga se vira:
– Para onde o senhor vai?
Respondeu Lunga com ira:
Se não existir critério
Vou parar no cemitério
Feito Zé de Zé de Lira.
14
O nome de ‘cemitério’
Quando o motoqueiro ouviu,
Imaginou que Seu Lunga
De muito longe partiu
Pra visitar um parente
Nessa terra muito quente...
Pra o cemitério seguiu.
15
O motoqueiro parou
Na porta do cemitério
E perguntou: – Vai ver quem?
Mas seu Lunga muito sério
Antes de dar a resposta
Uma senhora de costa
Grita sem fazer mistério...
16
– Nesse instante foi curado
Meu menino que com prego
Vazou a vista há três anos.
Foi jararaca, não nego,
Quem curou essa desgraça
Fazendo essa grande graça,
Devolvendo vista a cego.
17
Seu Lunga disse: – Danou-se!
Isso só pode ser arte
Do demo ou d’outro mundo
Ou de Pedro Malazarte.
Eu nunca vi a visão
Ser curada pela mão
De cangaceiro sem parte.
18
O motorista escutando
Disse: – Vamos lá doutor
Para a estação das artes
Dançar forró no calor
Do passo de “Falamansa”,
Ver a praça da criança:
Coisa linda sim senhor.
19
Lunga ainda quis correr,
Mas o motoqueiro liga
Sua moto muito rápida
E por uma rua antiga
Que leva a u’a construção
Feita para Lampião
Só porque aqui fez briga.
20
Lunga solta um grito grosso:
– Pare, pare para eu vê...
A Praça de Lampião
Se não faço fuzuê.
O motoqueiro parou,
Ele num salão entrou
E disse: – Meu Deus pra quê?!
21
Pra que isso tudo meu Deus!
Um memorial pra quem
Já morreu e não merece.
Tendo gente que não tem
Uma simples moradia,
O quinhão de cada dia
Como seu único bem.
22
Seu Lunga andou um pouco,
Chegou ao salão de dança,
Mas quando ia entrando
Pra dançar com “Falamansa”
Num ruge, ruge entrou
Que quase ele desmaiou
Com um bofete na pança.
23
O motoqueiro se foi...
Nessa grande confusão,
E Seu Lunga apareceu
“Marcando passo no chão”
Na pracinha da criança
Sem dançar nenhuma dança
No meio da multidão.
24
Na frente da praça viu
Três meninos soluçando.
Seu Lunga se aproximou
Disse: – Por que estão chorando?
Um disse riscando o chão:
– Nós não temos um tostão,
Pois aqui só entra pagando.
25
Seu Lunga deu cinco contos
E perguntou onde fica
O lar de Santa Luzia,
Mas eles não deram dica,
Não sabiam a direção
Do templo da oração
Só olhando a praça rica.
26
Dali Lunga saiu logo
A um e outro perguntando
Onde fica a catedral,
Quando ouviu alguém gritando:
– Seu Lunga, Seu Lunga aqui,
A catedral fica ali
Onde tem gente rezando.
27
Quando finalmente chega
Para a oferta ofertar
Seu Lunga respira fundo
E diz: – Vou agora entrar
Nesse lugar consagrado
Porque já estou atrasado
Para a promessa pagar.
28
Quando Lunga se benzeu,
Enfiou a mão no bolso
Para pagar a promessa,
Uma mulher e um moço
Com uma penca de meninos
Na badalada dos sinos
Diz: – Peço só pro almoço.
29
Seu Lunga olhou de lado
Viu aquela arrumação,
Paralisado ficou
Com tremor no coração,
Com dúvida, se ofertava...
À Santa ou logo dava
À mulher em comoção
30
Entre a Santa e a mulher
A mão de Lunga escolheu
Aquela pobre família
Que o dinheiro recebeu
Agradecendo e dizendo:
– Santa Luzia está vendo
Quem de nós mais mereceu.
31
E naquela mesma noite
Seu Lunga ficou sozinho
Imaginando e pensando:
Como o povo engole espinho
Sem moradia, sem pão,
Sem direito e sem razão
De seguir certo o caminho.
32
E de volta para casa
Ele torna a matutar:
Como é que em Mossoró
Sua gente vai rezar
Em cova de cangaceiro
Fazendo dele guerreiro
E santo que faz curar.
33
Como é que se dá patente
A cangaceiro ladrão,
Gasta rios de dinheiro
Pra ouvir um tal de Zezão
E despreza trovador,
Tira o coro do lavrador
E não vê a judiação.
34
Como é que se constrói praça
Co’a dinheirama da gente
E essa mesma gente tem
De pagar como demente
Pra num carrinho correr,
Num escorrega descer
E querer que eu aguente!

PADRE AMÉRICO

.

PADRE AMÉRICO
1
Tem pessoas entre nós
Que a gente imagina que,
Que nunca vai nos deixar;
Faz a gente nela crê
Que sente o que a gente sente,
Que Jesus está presente
Sem carecer de um porquê.
2
E Padre Américo sem dúvida
Foi uma dessas pessoas
Que habitou nosso caminho
Semeando coisas boas
Fazendo em nós cafuné,
Nos doando sua fé
E milhares de “perdoas”.
3
No ano de vinte e nove
Em vinte e um de dezembro
Do século que terminou
Muito bem ainda lembro
Segundo, hora e dia
Que padre Américo nascia:
Agora a vocês relembro.
4
Era filho do casal
Filhos daqui do sertão:
Maria Augusta de Sá
Traduzida em pura ação
E Alfredo Simonetti,
Pois era o quarto de sete
Rebentos dessa união.
5
No dia que ele nasceu
Aumentando mais a flora
Do jardim da raça humana
Por muito mais de uma hora
O céu se movimentou,
Um anjo logo convocou
Uma sessão sem demora.
6
Um espírito elevado,
Cinco anjos do senhor
Preparou e deu a Deus,
Deus olhou e deu louvor:
Aquele espírito agitou,
Inspirou e assoprou
Naquele corpo co’amor.
7
O ar divino de Deus
Dessa forma se uniu
Com o broto da mãe terra
E o menino Américo surgiu
Na cidade de Assu
Com o peito seminu
No Nordeste do Brasil.
8
Mas como todo ser vivo
Da terra se comporá
O seu corpo provisório
Que um dia voltará
De novo ao seio da terra
Seja de paz ou de guerra
E a Deus sem alvará...
9
Depois de setenta e nove
Anos todos dedicados
Aos trabalhos do senhor
Com modos bem arrojados,
A terra ele voltou
E a Deus se apresentou
Com o mínimo de pecados.
10
E com mais necessidade
Que a terra de seu serviço
Tava quem soprou a vida
Que veio sem rebuliço
Buscar para residir
Lá no céu pra lhe servir
Como um brilhante noviço.
11
Mas a terra contestou,
Contestou dizendo: – Não,
Não leve esse bom homem
Que eu e, mais toda nação
Precisamos dele aqui
De Mossoró a Acari
Pra nos dar mais proteção.
12
Nem que seja por um ano,
Um ano com ele aqui
Com jeito manso de ser
Feito o vôo do colibri
Terá aqui mais união,
Mais almas salvas serão,
Mais crianças vão sorri.
13
O sol castigará menos,
A lua sairá mais bela,
Mais belas serão as noites
Que seus olhos da janela
Do tempo vai contemplar
Até um dia alcançar
Todo mundo em sentinela.
14
Em sentinela e guardando
Os mandamentos de Deus
Testemunhados por ele
Em igrejas e liceus,
Nos sertões e capitais,
Nas ruas e catedrais
A rico, pobre e ateus.
15
Mas Deus respirou e disse:
– Vejo sua intenção
E isso muito me contenta,
Mas eu não posso abrir mão
Da vinda de Padre Américo
Esse Cristão tão quimérico
Pra compor minha missão.
16
Sei tudo o quanto ele fez
E o que inda poderia
Fazer mais e mais bem feito,
Mas aqui junto a Maria
Ele vai poder fazer,
Fazer e acontecer
Cem vezes mais que podia.
17
Sei que Américo fez da fé,
Fé na Santíssima Trindade
Seu modo bom de viver.
Se dedicou a bondade
De maneira bem medida
E tudo que fez na vida
Fez da vida caridade.
18
E mergulhou nos estudos
Da boa Teologia,
Da didática, da história,
Santos e pedagogia.
Nessa constante batida
Trilhou toda sua vida
Com essa filosofia.
19
Padre Américo Simonetti
Foi um educador nato,
Sendo ele educador
Fundou com força e recato
O ginásio assuense,
E mais e mais se convence
Que educar é um bom ato.
20
Na cidade de Assu
Foi diretor com esmero
Da escolhinha normal
E com apoio do clero
Botou no peito o crachá
De diretor do JK
Atento igual quero-quero.
21
Da casa da estudante
Ele foi o fundador.
Criou na zona rural
Clubes de mães com louvor.
Fundou na periferia
Os clubes que ele queria
Sendo deles seu tutor.
22
Animador incansável
De trabalhos sociais,
Incentivador com brilho
Para as ações culturais
Que lhe rendeu boas almas,
Dúzia e meia de palmas
De coração e de paz.
23
Foi chamado pelo Bispo
Dom Gentil Diniz Barreto
No fim de sessenta e dois
Pra coordenar sem dueto
A ação pastoral daqui
Que estava sem chassi,
Sem farol, som e soneto.
24
E chegando a Mossoró
Foi reitor do santuário
Do coração de Jesus,
E diretor sem horário
Sem bater a pestana
Da Cáritas Diocesana
Sem receber honorário.
25
Em Mossoró, Padre Américo
Rapidamente fundou
Inúmeros grupos de jovens,
E com vigor animou
Sem encontrar contratempo
Que em pouco tempo o tempo
Pra tantos Grupos faltou.
26
E foi um dos fundadores
Da UERN e, professor
Em vários cursos da mesma.
Como um bom educador
Alguns livros escreveu
Fechando seu jubileu
Como um grande orador.
27
Dinâmico trabalhador
Em sessenta e três o ano
Criou a Rádio Rural,
E com vigor mariano
Em nome da igualdade
Mobilizou a cidade,
Região e ‘vaticano’.
28
Promoveu logo de cara
A feira da providência,
O festival das cidades
E com muita coerência:
Criou “A mais bela voz”
Concurso que para nós
É um pote de excelência.
29
Padre Américo fez da Rádio
Um valioso instrumento
De evangelização
E de fortalecimento
Da educação do povo
Que arrebentou ciclo novo
De fé e esclarecimento.
30
Ele assumiu em oitenta
Com sincera primazia
A grande e forte Paróquia
De Nossa Santa Luzia,
Promovendo as amigáveis,
Amáveis e memoráveis
Festas com sabedoria.
31
Chamou a comunidade
De maneira criativa
Cativando todo mundo
Com jeito manso de viva,
E como um bom pregador
Criou “O Semeador”
Pra ser voz informativa.
32
Sonhador de carteirinha
Sonhou e depois fundou
Curso de Teologia,
Onde lá se graduou
Agente de pastoral
E professor federal
Co’as Lições que ensinou.
33
Quando Deus desenrolou
O segundo pergaminho
Pra dá continuidade
Ao recheado caminho
Que Padre Américo trilou
A terra disse: – parou!
Pare aí Deus um pouquinho...
34
Não precisa me falar
Nada nem me convencer
Que Padre Américo Vespúcio
Aí no céu vai fazer
Mais pela a gente daqui
Do que se estivesse aqui,
Fazendo nosso querer.
35
Hoje Padre Américo Mora
Perto de Santa Luzia,
Ao lado de Jesus cristo,
A direita de Maria,
E de lá manda pra nós
Um abraço e sua voz:
Dizendo muito contente
Pra esse povo valente
“Mossoró com alegria,
Saúda Santa Luzia.”
Fim

Cordel premiado pelo Prêmio Mais Cultura de Literatura de Cordel Patativa do Assaré - Edição 2010

Ilustração: Marcelo Morais
.NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO

Sempre vivi aprendendo,
Aprendendo e ensinando,
Ensinando e refletindo,
Refletindo, investigando;
Assim eu fui descobrindo,
Descobrindo e perguntando.

Nada fazia parar
A vontade de querer,
De querer e querer mais,
Querer sempre mais saber
Das coisas belas da vida
E ao saber me prender.

Até que um dia eu
Aprendi ser professor,
Professor da juventude
Que tem muito pouco amor
A vontade de estudar
Que me causa até pavor.

Mas sabe como é aluno,
Às vezes é remanchão,
Preguiçoso e desligado...
Em outras, só atenção,
Inteligente e esperto,
Cheio de reflexão

E pra ninguém duvidar
Que o futuro da nação
Pertence a todo estudante
Hoje um levantou a mão
Lá num cantinho da sala
E disse: – Me diga ou não!?

Professor, você já sabe,
Da nova lei da gramática?
Lubrifiquei a goela
Tentei responder com tática
E disse que eu já sabia,
Essa foi minha didática.

– Meu amigo, Otaliano,
Essas coisas de linguagem
É pisar pisando espinho,
Porque por uma bobagem
O preconceito linguístico
Prejudica nossa imagem.

Pois fique você sabendo
Que já entrou em vigor
A nova lei da gramática
Pra aprumar professor,
Aluno, juiz, político,
Escritor e promotor.

Agora em 2009
Em Angola e Portugal,
Timor-Leste e São Tomé,
Brasil e Guiné-Bissau,
Cabo Verde e Moçambique
A língua ficou igual.

Mas eu fico imaginando:
Essas cabeças de ar
Por capricho ou por política
Invés de descomplicar
Fazem tudo, tudo fazem...
Pra linguagem complicar.

E assim quando não podem
Calar a língua falada
Complica mais a escrita
Deixando-a mais engessada,
Colada no céu da boca
Até mesmo mais pesada.

– Pois bem! Caiu o acento
Das palavras: assembléia,
De jiboia, paranoia,
Tipoia, joia e ideia.
E sendo ditongo aberto
Caiu também de plateia.

Porém nas paroxítonas
Desapareceu também
Acento de taoismo,
Feiudo, feiura sem...
Afetar sua pronúncia
Nem a língua de ninguém.

Buliram com outro acento
Que vai dar dor de cabeça
Em cabeça de matuto
Até que restabeleça
Ponto por ponto a ideia,
Ou suba, desça e esqueça.

Esse acento é dito e visto
Como diferencial,
Pois ele diferencia
Pôr de por que é um casal
Que tem desigual sentido
E som totalmente igual.

Também veja Otaliano
Como foi mesmo tirado
De pára – forma verbal
O acento consagrado
Deixando igual para a para
E muito mais enrolado.

Péla do verbo pelar
Ficará sem seu acento,
Com igual grafia à pela
Do fechado casamento
(Preposição e artigo),
Sem causar constrangimento.

E fica com seu acento
Pôde, verbo no passado.
Conjugado no presente
Pode fica carimbado
Sem acento pra não ter
Estudante atrapalhado.

O acento circunflexo
Não será usado mais
Nas palavras de grafia
Com “ôo” e os seus iguais:
Abençoo e magoo,
Voo, perdoo e demais.

E também saiu de “êem”
O acento circunflexo
Das palavras leem, creem
Deixando menos complexos
Os verbos ver, crer, ler dar
Que me deixavam perplexo.

O trema tremeu, caiu
Do nosso vocabulário,
Deixando o “ü” sem véu,
Sem trabalho e inventário
Do grupo que, qui, gue, gui
Que fez esse comentário:

– Sem trema e mesma pronúncia:
Sagui, sequestro, frequente,
Benguê, tranquilo e linguiça.
Logo atrás vem eloquente
Louco me dizendo: – Trema,
Não tem mais quem aguente.

Por fim, falarei da última
Das regras gramaticais
Imposta pra ser seguida
Dos sertões as capitais,
Dos países já citados
De vidas tão desiguais.

O hífen não tem mais uso
Quando seu prefixo finda
Em vogal e a segunda
Palavra começa ainda
Com as letras S ou R.
Essa ideia foi bem-vinda!

Assim como em contrarregra
E antirreligioso.
Contrassenha e minissaia
Ficaram até gostoso
De se ler e declamar
Sem me deixar cabuloso.

Também não se usa o hífen
Quando a palavra termina
Com vogal e outra começa
Outro termo que destina
Uma vogal diferente
Seja aqui ou lá na China.

Como: autoaprendizagem
E neopetropolitano,
Seguidos de autoestrada
Depois euroafricano.
E em autoeducação
O hífen foi pelo cano.

Mas regras têm exceções;
Veja em super-resistente,
Onde o prefixo termina
Com R e R presente
No vocábulo adiante
Tem hífen regularmente.

Olhou-me Otaliano
E disse-me prontamente:
– O acordo também teve
Um olhar inteligente
Botou W, K e Y
No alfabeto da gente.

Disse-lhe: – Tu tens razão,
Do nosso cotidiano
Essas letras fazem parte
Como Franklin, frankliano,
Darwin, Kely, show, sexy,
Byte, Kuwait, kuwaitiano.

Quando a aula terminou
Uns gostaram da didática,
Outros acharam melhor
Do que química e matemática,
E Otaliano disse:
– Assim aprendo gramática.

E ficaram estudando,
Aprendendo e refletindo,
Refletindo e perguntando,
Perguntando e discutindo
Que a língua a cada dia
Vem viva com valentia
Mudando e se descobrindo.

FIM

A CASA QUE A FOME MORA


POESIA DO GRANDE POETA ANTÔNIO FRANCISCO POSTADA POR JOSÉ AUGUSTO EM 14-02-2010.

A Casa que a Fome Mora

Eu de tanto ouvir falar
Dos danos que a fome faz,
Um dia eu sai atrás
Da casa que ela mora.
Passei mais de uma hora
Rodando numa favela
Por gueto, beco e viela,
Mas voltei desanimado,
Aborrecido e cansado.
Sem ter visto o rosto dela.

Vi a cara da miséria
Zombando da humildade,
Vi a mão da caridade
Num gesto de um mendigo
Que dividiu o abrigo,
A cama e o travesseiro,
Com um velho companheiro
Que estava desempregado,
Vi da fome o resultado,
Mas dela nem o roteiro.

Vi o orgulho ferido
Nos braços da ilusão
Vi pedaços de perdão
Pelos iníquos quebrados,
Vi sonhos despedaçados
Partidos antes da hora,
Vi o amor indo embora,
Vi o tridente da dor,
Mas nem de longe via a cor
Da casa que a fome mora.

Vi num barraco de lona
Um fio de esperança,
Nos olhos de uma criança,
De um pai abandonado,
Primo carnal do pecado,
Irmão dos raios da lua,
Com as costas seminuas
Tatuadas de caliça,
Pedindo um pão de justiça
Do outro lado da rua.

Vi a gula pendurada
No peito da precisão,
Vi a preguiça no chão
Sem ter força de vontade,
Vi o caldo da verdade
Fervendo numa panela
Dizendo: aqui ninguém come!
Ouvi os gritos da fome,
Mas não vi a boca dela.

Passei a noite acordado
Sem saber o que fazer,
Louco, louco pra saber
Onde a fome residia
E por que naquele dia
Ela não foi na favela
E qual o segredo dela,
Quando queria pisava,
Amolecia e Matava
E ninguém matava ela?

No outro dia eu saio
De novo a procura dela,
Mas não naquela favela,
Fui procurar num sobrado
Que tinha do outro lado
Onde morava um sultão.
Quando eu pulei o portão
Eu vi a fome deitada
Em uma rede estirada
No alpendre da mansão.

Eu pensava que a fome
Fosse magricela e feia,
Mas era uma sereia
De corpo espetacular
E quem iria culpar
Aquela linda princesa
De tirar o pão da mesa
Dos subúrbios da cidade
Ou pisar sem piedade
Numa criança indefesa?

Engoli três vezes nada
E perguntei o seu nome
Respondeu-me: sou a fome
Que assola a humanidade,
Ataco vila e cidade,
Deixo o campo moribundo,
Eu não descanso um segundo
Atrofiando e matando,
Me escondendo e zombando
Dos governantes do mundo.

Me alimento das obras
Que são superfaturadas,
Das verbas que são guiadas
Pro bolsos dos marajás
E me escondo por trás
Da fumaça do canhão,
Dos supérfluos da mansão,
Da soma dos desperdícios,
Da queima dos artifícios
Que cega a população

Tenho pavor da justiça
E medo da igualdade,
Me banho na vaidade
Da modelo desnutrida
Da renda mal dividida
Na mão do cheque sem fundo,
Sou pesadelo profundo
Do sonho do bóia fria
E almoço todo dia
Nos cinco estrelas do mundo.

Se vocês continuarem
Me caçando nas favelas,
Nos lamaçais das vielas,
Nunca vão me encontar,
Eu vou continuar
Usando o terno Xadrez,
Metendo a bola da vez,
Atrofiando e matando,
Me escondendo e zombando
Da Burrice de vocês.

OS ANIMAIS TÊM RAZÃO


CORDEL DO GRANDE POETA ANTÔNIO FRANCISCO E PINTURA DO ARTISTA PLÁSTICO MARCELO MORAIS POSTADO POR JOSÉ AUGUSTO EM 14-02-2010.

OS ANIMAIS TÊM RAZÃO
1
Quem já passou no sertão
E viu o solo rachado,
A caatinga cor de cinza,
Duvido não ter parado
Pra ficar olhando o verde
Do juazeiro copado.
2
E sair dali pensando:
Como pode a natureza
Num clima tão quente e seco,
Numa terra indefesa
Com tanta adversidade
Criar tamanha beleza.
3
O juazeiro, seu moço,
É pra nós a resistência,
A força, a garra e a saga,
O grito de independência
Do sertanejo que luta
Na frente da emergência.
4
Nos seus galhos se agasalham
Do periquito ao cancão.
É hotel do retirante
Que anda de pé no chão,
O general da caatinga
E o vigia do sertão.
5
E foi debaixo de um deles
Que eu vi um porco falando,
Um cachorro e uma cobra
E um burro reclamando,
Um rato e um morcego
E uma vaca escutando.
6
Isso já faz tanto tempo
Que eu nem me lembro mais
Se foi pra lá de Fortim,
Se foi pra cá de Cristais,
Eu só me lembro direito
Do que disse os animais.
7
Eu vinha de Canindé
Com sono e muito cansado,
Quando vi perto da estrada
Um juazeiro copado.
Subi, armei minha rede
E fiquei ali deitado.
8
Como a noite estava linda,
Procurei ver o cruzeiro,
Mas, cansado como estava,
Peguei no sono ligeiro.
Só acordei com uns gritos
Debaixo do juazeiro.
9
Quando eu olhei para baixo
Eu vi um porco falando,
Um cachorro e uma cobra
E um burro reclamando,
Um rato e um morcego
E uma vaca escutando.
10
O porco dizia assim:
– “Pelas barbas do capeta!
Se nós ficarmos parados
A coisa vai ficar preta...
Do jeito que o homem vai,
Vai acabar o planeta.
11
Já sujaram os sete mares
Do Atlântico ao mar Egeu,
As florestas estão capengas,
Os rios da cor de breu
E ainda por cima dizem
Que o seboso sou eu.
12
Os bichos bateram palmas,
O porco deu com a mão,
O rato se levantou
E disse: – “Prestem atenção,
Eu também já não suporto
Ser chamado de ladrão.
13
O homem, sim, mente e rouba,
Vende a honra, compra o nome.
Nós só pegamos a sobra
Daquilo que ele come
E somente o necessário
Pra saciar nossa fome.”
14
Palmas, gritos e assovios
Ecoaram na floresta,
A vaca se levantou
E disse franzindo a testa:
– “Eu convivo com o homem,
Mas sei que ele não presta.
15
É um mal-agradecido,
Orgulhoso, inconsciente.
É doido e se faz de cego,
Não sente o que a gente sente,
E quando nasce e tomando
A pulso o leite da gente.
16
Entre aplausos e gritos,
A cobra se levantou,
Ficou na ponta do rabo
E disse: – “Também eu sou
Perseguida pelo homem
Pra todo canto que vou.
17
Pra vocês o homem é ruim,
Mas pra nós ele é cruel.
Mata a cobra, tira o couro,
Come a carne, estoura o fel,
Descarrega todo o ódio
Em cima da cascavel.
18
É certo, eu tenho veneno,
Mas nunca fiz um canhão.
E entre mim e o homem,
Há uma contradição
O meu veneno é na presa,
O dele no coração.
19
Entre os venenos do homem,
O meu se perde na sobra...
Numa guerra o homem mata
Centenas numa manobra,
Inda tem cego que diz:
Eu tenho medo de cobra.”
20
A cobra inda quis falar,
Mas, de repente, um esturro.
É que o rato, pulando,
Pisou no rabo do burro
E o burro partiu pra cima
Do rato pra dar-lhe um murro.
21
Mas, o morcego notando
Que ia acabar a paz,
Pulou na frente do burro
E disse: – “Calma, rapaz!...
Baixe a guarda, abra o casco,
Não faça o que o homem faz.”
22
O burro pediu desculpas
E disse: – “Muito obrigado,
Me perdoe se fui grosseiro,
É que eu ando estressado
De tanto apanhar do homem
Sem nunca ter revidado.”
23
O rato disse: – “Seu burro,
Você sofre porque quer.
Tem força por quatro homens,
Da carroça é o chofer...
Sabe dar coice e morder,
Só apanha se quiser.”
24
O burro disse: – “Eu sei
Que sou melhor do que ele.
Mas se eu morder o homem
Ou se eu der um coice nele
É mesmo que estar trocando
O meu juízo no dele.
25
Os bichos todos gritaram:
– “Burro, burro... muito bem!”
O burro disse: – “Obrigado,
Mas aqui ainda tem
O cachorro e o morcego
Que querem falar também.”
26
O cachorro disse: – “Amigos,
Todos vocês têm razão...
O homem é um quase nada
Rodando na contramão,
Um quebra-cabeça humano
Sem prumo e sem direção.
27
Eu nunca vou entender
Por que o homem é assim:
Se odeiam, fazem guerra
E tudo o quanto é ruim
E a vacina da raiva
Em vez deles, dão em mim.”
28
Os bichos bateram palmas
E gritaram: – “Vá em frente.”
Mas o cachorro parou,
Disse: – “Obrigado, gente,
Mas falta ainda o morcego
Dizer o que ele sente.”
29
O morcego abriu as asas,
Deu uma grande risada
E disse: – “Eu sou o único
Que não posso dizer nada
Porque o homem pra nós
Tem sido até camarada.
30
Constrói castelos enormes
Com torre, sino e altar,
Põe cerâmica e azulejos
E dão pra gente morar
E deixam milhares deles
Nas ruas, sem ter um lar.”
31
O morcego bateu asas,
Se perdeu na escuridão,
O rato pediu a vez,
Mas não ouvi nada, não.
Peguei no sono e perdi
O fim da reunião.
32
Quando o dia amanheceu,
Eu desci do meu poleiro.
Procurei os animais,
Não vi mais nem o roteiro,
Vi somente umas pegadas
Debaixo do juazeiro.
33
Eu disse olhando as pegadas:
Se essa reunião
Tivesse sido por nós,
Estava coberto o chão
De piubas de cigarros,
Guardanapo e papelão.
34
Botei a maca nas costas
E saí cortando o vento.
Tirei a viagem toda
Sem tirar do pensamento
Os sete bichos zombando
Do nosso comportamento.
35
Hoje, quando vejo na rua
Um rato morto no chão,
Um burro mulo piado,
Um homem com um facão
Agredindo a natureza,
Eu tenho plena certeza:
Os animais têm razão.
Fim

UMA CARTA ECOLÓGICA



UMA CARTA ECOLÓGICA


Titico Forte, meu filho,
Lembranças daqui do norte
E da parte de Maria
Que lhe manda muita sorte,
Carne seca e rapadura:
Sustância pra lhe dar porte.

Pra você ficar sabendo
Tintim por tintim daqui,
Da família, dos compadres
Que estão todos aqui
Dizendo pra eu dizer:
Volte de pressa dai.

E sem licença pedir
Vou logo tudo dizendo:
– Depois de ganhar na sena,
Muito contente e pudendo,
Quem casou foi dona Nêga
Com o nosso reverendo.

O seu irmão Damião
Estar em lua de mel,
Casou-se com aquela moça
Filha de João Coronel,
Aquela que todos dizem
Ter jeito de cascavel.
(...)

Seu Lunga



A RESPOSTA DE SEU LUNGA

Quando aqui se aproxima
O dia da eleição
Todo político daqui
Se veste de emoção
Discursa o já discursado
E pegue aperto de mão.

As ruas todas percorrem
Fazendo muita fuzarca
Empurrando seus retratos
Com seu jeito de monarca,
De largo e falso sorriso
Como sua melhor marca.

E promete e repromete,
Repromete tanto e tanto
Que tem gente besta ainda
Que vibra com tanto encanto
Que por eles até briga,
Chora e chama de meu santo.

E o povo todo embriagado
Com esse movimento
Não percebe a diferença
Entre Chico e Chico Bento;
Não pensa com a razão,
Pensa com o sentimento.

Quem nunca teve valor
Com valor agora anda,
Corre pra cima e pra baixo
Promovendo propaganda,
Dizendo: – Nesse período
A gente manda e desmanda.

E Seu Lunga virou um,
Um cidadão disputado
De hora em hora aparece
Visitas de todo lado
De candidato risão
E de partido safado.

E numa dessas visitas
Vi um político cupido
De votos do cidadão
Chegar todo comovido
Ao comércio de Seu Lunga
Seguido de seu partido.

Foi se abrindo e dizendo:
– Seu Lunga, como está tu?
Respondeu Lunga na bucha:
– Tô bem, não sei do tatu
Que foi para Mossoró
Turistar co’o cururu.

Depois de ouvir falar
Que lá caiu um cometa
Fazendo um buraco só
Deixando a coisa lá preta
Desde o pé de Pé-Quente
A ex-praça da Gazeta.

Mas desapei, desapei…
Vamos sentando doutor
A casa daqui é pobre
Prum doutor como o senhor,
Mas desapei e se sente,
Se sente aqui, faz favor.

Disse o político risão:
– Seu Lunga é com alegria
E muita satisfação
Que eu venho aqui nesse dia
Visitar sua pessoa
Que tem tanta simpatia.

E como sabe o senhor
Eu sou daqui candidato
A prefeito do lugar,
Ficaria muito grato
Se o senhor votasse em mim
E em meu filho Nonato.

E Seu Lunga respondeu:
– Eu já tenho em quem votar.
Mala Veia insistiu
E disse: – Pode cobrar
Quanto quer pelo seu voto,
Diga que eu posso pagar.

Seu Lunga mudou de cor
Igual um camaleão
E disse: – Me respeite
Filho da corrupção,
Está pensando que eu sou
Homem de variação.

Seu Lunga, longe de mim
Em querer lhe ofender,
Eu só queria lhe dar
Uma ajuda sem haver
Pra mim qualquer vantagem
Nem pro senhor um dever.

Mala Veia ainda quis
Falar pra justificar,
Mas Seu Lunga disse firme:
– Você não vai me comprar
Com cem ou nenhum conto
Nem vai a mim desonrar.

Você não quis ofender?!
Você quer é brigar comigo,
Pensa que eu sou um bobão,
Filho do calor de figo
Gerado dentro dum ovo
Ou sou daqui um mendigo?

E meu voto é coisa séria
Não troco, não boto a venda
Nem dou para qualquer um.
Quem quiser provar da prenda
Terá de ser muito honesto
E fiel a minha agenda.

Na minha agenda está dito:
Pra meu voto conquistar
Deverá o candidato
Querer bem e bem amar,
Saber dividir seu pão
E no povo amor plantar.

Ficar longe da vaidade,
Da fama e do preconceito.
Andar no vagão da paz,
Defender todo direito
Que pluralize a justiça
Lá dentro do nosso peito.

Veja na educação
A força da juventude
Que precisa de mão certa
Pra atiçar sua virtude,
Aclarar seu caminho
E zabumbar sua atitude.

Procure sempre igualdade
Na igualdade da vida,
Da vida de seu irmão
Que tem a vida medida,
Contada e multiplicada
Em sua lei produzida.

Que sinta a dor do doente
Na fila do hospital
E de lá saia casado
Com a vontade brutal
De transformar a doença
Numa saúde imortal.

Mergulhe na natureza
E sinta sua agonia
Depois saia repetindo
Tudo que ela sentia
Para convencer o povo
Que ela quer só cortesia.

More onde o povo mora:
Em morada sem vigia,
Sem fechadura elétrica,
Sem cerca e sem regalia
Para mostrar sua prática
E sua filosofia.

Trabalhe um dia inteiro
Junto dum agricultor
Dez dias de cada mês
Para você dá valor
A quem coloca na mesa
Seu pão com tanto amor.

O imposto arrecadado
Seja transformado em praça,
Hospital, creche, escola,
Quadra de esporte de graça.
Estrada e maternidade
Sem distinguir cor nem raça.

Quando Seu Lunga virou
De sua agenda a primeira
Página das trinta e cinco –,
Com cara de fim de feira
Mala veia disse: – Lunga
Pare com essa zoeira!

Não tá vendo que não tem
Um político nesse mundo
Que faça tudo isso aí.
Lunga disse: – Seu imundo
Puxa daqui e também leve
Seu bando de vagabundo.

O político Mala Veia
Inchou, inchou e sem mais…
Saiu com seus partidários
Sem nem olhar para trás
Pisando alto do chão
Igualzinho um Ferrabrás.

Eu quando vejo um político
Hoje arrebanhando votos
Desejo aqui no Brasil
Vinte milhões de devotos
Das respostas de Seu Lunga
Para botar sem resmunga
Pra correr quem comprar votos.
Fim

LAMPIÃO


DEFESA DE LAMPIÃO

Ano de dois mil e sete,
Sexto mês do mesmo ano,
Dia treze mesmo mês
Dormi igual um tucano,
Mas esqueci de rezar
E fui parar noutro plano.


Sonhei está flutuando
Por um lugar diferente
Que fica pra cá do sol
Em um jardim deprimente
Com vegetação queimada
Igual nosso sertão quente.

De repente vi um homem
Vindo em minha direção
Resmungando sem parar
Fazendo risco no chão
E disse: – Quem é você?
Porque eu sou Lampião!

Eu sem nada entender
Tive um susto e disfarcei,
Tentei em vão me esconder,
Mas ele com mão da lei
Mirou seu dedo pra mim
Me chamando como rei.
(...)