NÃO CUSTA SER CIDADÃO
Eu todo domingo vou
Que chova ou faça verão
Com minha mulher e filhos
Receber a comunhão
Pra renovar minha alma
E minha fé de cristão.
E na missa de domingo
Padre José Damião
Com sua voz convincente
Bem no meio do sermão
Para os fiéis perguntou:
– O que é ser cidadão?
E depois de perguntar
Refletiu um bocadinho,
Deu três passos pra direita,
Ajeitando o colarinho
E respondeu ele mesmo
Para todos com carinho.
– Ser cidadão hoje em dia
É ter por todos, respeito,
É saber onde termina
Seu direito por direito
E nunca agir com o próximo
Com a voz do preconceito.
Enquanto o padre falava
Ali fiquei meditando,
Ouvindo cada palavra
Que ele ia debulhando,
Mas eu não sei o que deu
E findei foi cochilando!
E nesse cochilo rápido
Tive tempo de sonhar
Que caí numa colmeia
Igualzinha ao meu lugar
Em tudo na forma, menos,
Na maneira de pensar.
Pois toda colmeia tinha
Abelhas iguais à gente,
Se vestindo como nós,
Falando fluentemente
E até com um pandeiro
Arriscando um bom repente.
Mas o mais interessante
É que nesse sonho eu via
Que dentro dessa colmeia
Cada abelha já vivia
Há muitos anos o que
Sonhamos viver um dia.
E cada passo que eu dava
Ficava mais encantado.
Eu olhava cada gesto
Por cada abelhinha dado
Que em pouco tempo eu
Já estava acostumado.
E não foi muito difícil
Me acostumar também,
Pois cada abelha sabia
A importância que tem
Desde o centro da colmeia
A quem vive mais além.
E num dos passos que eu dei
Sem olhar bem para frente
Pisei sem querer a faixa
De pedestre e de repente
Parou cada motorista
Sem buzinar nem valente.
Do meu lado também ia
Conduzido pelo braço
Por uma abelhinha jovem
Um zangão de curto passo
Aparentando cem anos
De vida no espinhaço.
Ao chegar do outro lado
Eu disse ao senhor zangão:
– Com tantos carros na rua
Um dia vai faltar chão
Pra gente botar os pés
E sair com eles são.
O zangão olhou pra mim
E perguntou lentamente:
– Você é dessa colmeia?
Eu respondi prontamente:
– Não sou não, senhor zangão,
Sou de outro continente.
Ele coçou seu ferrão
E me disse devagar:
– Aqui, amigo, não tem
Nessa colmeia lugar
Pra uma abelha sequer
Que não siga o verbo amar.
Que não traduza o valor
Que tem em nossa bandeira,
Que não engula o orgulho
E perdoe de tal maneira
Que não dê parte da vida
Pela sua vida inteira.
Aqui ninguém nunca morre
Por alguém acidentado.
O cinto de segurança
É por todos nós usado,
Pois tem mais valor a vida
Do que um carro importado.
Ninguém compra um objeto
Com suspeita de pirata,
Pois pirata ninguém vende
E nem faz negociata
Sem antes pedir a nota
Com dia, mês, ano e data.
Ninguém vende qualquer coisa
Por valor superior
Daquilo que realmente
Seja da coisa o valor
E sempre paga no prazo
Sua conta com rigor.
E ninguém força ninguém
A ouvir o seu pagode.
Quem quiser escuta o seu,
Dança, pula e se sacode
Sem precisar espalhar
Aonde amarrou seu bode.
Ninguém fala mal do outro,
Pois não tem o que falar,
Não ouve conversa alheia
Nem tem voz pra fofocar.
Não se mete com ninguém
Se não for para ajudar.
E, se em qualquer lugar
Se alguém vê algo errado,
Tem ele o dever moral
De jamais ficar calado,
Mesmo que o errado seja
Quem esteja do seu lado.
Aqui toda abelha tem
Quando quiser, vez e voz.
Não precisa furar fila
Ao lado de seus avós
Nem precisa ter voz alta
Pra ser ouvida por nós.
E se tem alguma abelha
Com qualquer dificuldade
As outras abelhas logo
Lhe dão com boa vontade
O carinho necessário
E doses de caridade.
Ninguém aqui bebe e fuma
Na frente dos filhos seus.
Não obriga seu vizinho
Serem crentes ou ateus
Nem crer em religião
Sem antes ter fé em Deus.
Aqui ninguém joga lixo
Na rua para não ter
De voltar depois limpando
Como não fosse dever
De cuidar do próprio lixo,
Mesmo sem lhe dar prazer.
Conhecer de A a Z
Sua Constituição
É dever de toda abelha
Desde sua criação.
Como também é dever
Não fazer corrupção.
Professor aqui ensina
E faz aluno aprender
Que votar e ser votado
É o principal dever
Que cada abelha precisa
Saber antes de morrer.
E quando o zangão parou
Para respirar, então,
Falei: – Cidadão é isso.
E completou o zangão:
– Cidadãos nós sempre fomos
Se for isso cidadão!
Nisso meu filho mais velho
Apertou a minha mão.
Eu despertei do cochilo
No fim daquele sermão
Com o vigário dizendo:
– É isso ser cidadão.
Agora fiquei com dúvida
Se quem falou realmente
Foi o vigário ou se foi
O velho zangão fluente.
Eu só sei que essa lição
De vida foi um presente.
E, de volta para casa
Não saiu do pensamento
Como o ser humano ainda
Não achou um argumento
Que possa lhe convencer
Que não custa tanto ser
Cidadão todo momento.
(José Augusto Araújo da Silva)